
Muita fotografia brasileira na Revista PHOTO 563 que acaba de chegar às bancas na França com destaque para os fotógrafos que integram a coleção “Un fonds photographique brésilien à la BnF” da Bibliotèque nationale de France (BnF): Fernando Banzi, Roberta Sant’Anna e Rogério Reis, além de uma entrevista com as comissárias da Coleção: Héloïse Conesa, curadora e responsável pela coleção de fotografia contemporânea da BnF e Marly Porto, curadora da coleção “Un fonds photographique brésilien à la BnF“.

Fernando Banzi é autor da série Tipos, um resgate da obra do fotógrafo teuto-brasileiro Alberto Henschel (1827–1882),conhecido pelo registro das paisagens do Rio de Janeiro e do cotidiano da monarquia brasileira durante o Segundo Reinado. Seu título de Photographo da Casa Imperial habilitou-o a fotografar o imperador Dom Pedro II e sua família. Mas, certamente, sua principal contribuição à história da fotografia foi o registro de todos os extratos sociais do Brasil oitocentista: retratos geralmente no padrão carte-de-visite foram feitos da nobreza, dos comerciantes ricos, da classe média, e também de negros e negras, escravizados e libertos, em um período anterior à Lei Áurea. O trabalho de Fernando Banzi consiste na ressignificação desses registros de pessoas de descendência e/ou origem africana, datados do fim dos anos de 1860, feitos em Recife e Salvador. Retoma o passado e, por meio da pigmentação dos retratos de Alberto Henschel, confere a esses indivíduos o direito à subjetividade. Banzi escolheu a técnica da fotopintura digital e da manipulação de imagem, permitindo, assim, diversas possibilidades de narrativas, convidadndo o leitor a imaginar essas histórias, alterando o lugar confortável e comum da narrativa única e condensada sobre o indivíduo negro.
Em Parque Aquático, trabalho realizado ao longo de dois verões, Roberta Sant’Anna traz os extraordinários parques aquáticos, situados ao longo de uma estrada no extremo sul do Brasil. Os parques com suas estruturas monumentais e uma mistura única de dinossauros, dragões e mitologia chamam imediatamente a atenção de quem passa pela estrada.
Foto: Fernando Banzi. Tipos.
As fotografias da artista podem ser interpretadas de várias maneiras. Podem representar os corpos, a vaidade e uma incansável busca por diversão. Podem também expressar humor e uma certa ironia inerente aos nossos comportamentos coletivos. Também retrata, em roupas de banho, a próspera nova classe média brasileira. Explorar parques temáticos aquáticos e observar o comportamento das pessoas enquanto brincam, cuidam de seus filhos, comem, descansam, mergulham ou se banham ao sol revela um microcosmo dinâmico da vida em sociedade.
A série foi criada com uma câmera Hasselblad 6×6, conhecida por seu tamanho e visibilidade, não possuindo a velocidade ou discrição normalmente associadas à fotografia de rua. Um aspecto marcante deste trabalho é a frontalidade do retrato. A vaidade, bem como a vulnerabilidade, estão intimamente ligadas à autoconsciência das pessoas quando estão sendo fotografadas.
Dentro desse mundo aquático em miniatura protegido de influências externas por todas as criaturas fantásticas que o habitam, as pessoas podem momentaneamente deixar de lado suas inibições. A série Parque Aquático brinca com um senso de autoconsciência duplo, quando a fotógrafa e os sujeitos estão frente-à-frente vestindo apenas seus biquínis.
Há poesia visual em nossos comportamentos sociais, especialmente dentro desses destinos de férias fechados, ou ambientes criados exclusivamente para a diversão. Nesses lugares, libertamos nossos corpos e mentes para desfrutar do tempo de lazer e brincadeira, desconstruindo assim as percepções mais sérias que fazemos de nós mesmos e os extenuantes papéis sociais assumidos ao longo de nossas vidas.
Ao cruzar os enormes portões de um parque aquático, ele se transforma em um ambiente de catarse coletiva, onde a maioria das inibições físicas é esquecida e as regras sociais são temporariamente alteradas. É um lugar onde o mundo exterior é deixado para trás junto com mais um dia de verão.

Foto: Roberta Sant’Anna. Parque Aquático.
O título da série de Rogério Reis, NA LONA por si só já é emblemático porque “estar na lona no Brasil” significa estar sem dinheiro, estar em uma situação difícil.
Por outro lado, a lona do artista também nos faz lembrar da lona utilizada por Marc Ferrez para mostrar tipos do século XIX e também pelo americano Irving Penn, entre outros artistas.
Rogério começou a fotografar estes personagens em 1986, 2 anos após a inauguração do Sambódromo, uma avenida destinada aos desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro. O carnaval que se desenrola no sambódromo é padronizado, cronometrado, sem improvisação e midiático onde são comercializadas grandes cotas de patrocínio junto à principal emissora de TV brasileira. A criação do sambódromo fez com que o carnaval de rua perdesse sua força.

Foi a partir dessa percepção que Rogério Reis levou sua lona para diferentes bairros do Rio de Janeiro em busca da imagem que o folião queria passar. Afinal, se a pessoa havia feito tanto sacrifício para criar uma fantasia era porque ela queria se expressar através desta outra imagem.
Assim, a lona/ estúdio de Rogério transformou-se em um autêntico espaço do folião, no qual ele era incentivado a se jogar dentro da sua própria fantasia. Diferentes tipos sociais se deixaram revelar conforme a região da cidade onde a lona estava montada. Na avenida Rio Branco, centro empresarial da cidade à época, as fantasias faziam críticas ao poder e às injustiças do mundo. Já em Ipanema, bairro chique, Rogério encontrou travestis bem montados e radiantes. Enquanto que no subúrbio da cidade, o improviso vinha à tona e os foliões se fantasiavam com sobras do próprio trabalho, tirando maravilhas de sucatas, jornais velhos e papel.
Pelas lentes do Rogério, em 15 anos, passaram bombeiros fantasiados de baloeiro, ex-policial vestido contra a violência, meninos lambuzados de tinta branca, damas esplendorosas em vestidos de caixas de fósforo com lacre de cerveja.
Estas imagens integram a coleção “Un fonds photographique brésilien à la BnF” que conta atualmente com 61 fotógrafos e mais de 700 fotografias em seu acervo.




Páginas da Revista Photo nº563 com a entreviusta de Helöise Conésa e Marly Porto