Som de cabelo sendo penteado por um pente garfo, música baixa no rádio, vozes de mulheres falando como se
cantassem, “homem, pega ali minha cerveja”, “trança do lado de cá também”, “você acha mesmo que eu fico bonita
com esse penteado?” E foi com essa paisagem sonora que meus pés me levaram para dentro do salão da
Constance, na sétima província de Maputo, em Moçambique. Com a licença, entrei, cumprimentei cada uma delas e
meu coração confirmou que já nos conhecíamos há muito tempo. Meu corpo de mulher negra, afro-brasileira e
diaspórica tremeu ao atravessar o Atlântico e pisar no Índico, e ali, entre as paredes esverdeadas, eu lembrei do mar,
e não me sentia mais naufragada, mas como se pisasse em terra segura. Fui arrebatada pela potência e força que
emanava daquelas mulheres. Suas histórias escoavam pelos meus pensamentos como lembranças antigas, do
verde-água pintado pela própria mão da Constance, mãos ligeiras que agora ali trançava o cabelo das suas amigas,
mãos que seguravam sua filha nos braços, mãos que amarraram como presente uma capulana na cintura e que, em
um abraço acalanto eu pude entender: eu estava em casa.