por Lucille Kanzawa
Dona Maria olha para mim e minha câmera com desconfiança. Não entende por que quero fotografá-la, já que se acha “feia”. Do portão de sua casa, digo-lhe em voz alta: “a senhora é linda!”. Assim, e depois de muita insistência, veio o convite para que eu entrasse. Enquanto buscava o melhor ângulo, ela não parava de falar. Aos poucos foi me mostrando seu mundo e me contando suas histórias. Perdeu a visão de um dos olhos cortando lenha e, com isso, perdeu parte da vaidade também. Feliz com as imagens mostradas no visor da máquina, apareceu depois toda arrumada. Era outra Maria. E eu prometi que voltaria.
Era janeiro de 2012 e eu recém-chegada ao Vale do Catimbau, no sertão de Pernambuco. O lugar era ainda bem pouco explorado, apesar de ser o segundo maior parque arqueológico do Brasil. Acordava com o céu ainda estrelado para evitar o sol inclemente do meio do dia. Os paredões rochosos quase monocromáticos reinavam em meio à imensidão árida. Pelas trilhas percorridas encontrei cânions, cavernas, pinturas rupestres, cenas pitorescas e paisagens deslumbrantes. Mas foi nas casas simples dos moradores que descobri os verdadeiros tesouros.
Em julho de 2013, voltei ao Catimbau para garimpar outras casas, outras personagens e outras histórias. Encontrei Alice, Angelina, Carmelita, Carol, Cícera, Creonice, Diza, Edileuza, Edivalda, Florisa, Gislaine, Ilma, Inácia, Irandir, Isaura, Janaína, Jaqueline, Joseane, Josefa, Joselma, Lívia, Maria do Socorro, Marlene, Naiane, Natália, Nica, Pília, Quitéria, Taianara, Tamires, Valdira e tantas outras preciosidades.
O primeiro contato nem sempre foi fácil, como na primeira vez, com dona Maria. Por que e para que as fotos? Eram sempre as interrogações. Mas bastava uma boa conversa para eu ser bem recebida no aconchego de cada lar.
Criando laços, fui me infiltrando nas cores e luzes de salas, quartos e cozinhas, com sofás, cortinas, mosquiteiros e panelas que pareciam uma extensão de cada pessoa fotografada. Na garupa de uma moto, carregando imagens impressas na bolsa, corri atrás das pessoas que conheci no ano anterior. Maria não tinha se esquecido de mim – nem de minha promessa. Ao me ver, abriu um enorme sorriso e mal acreditou. Seu olhar diante das fotos que lhe entreguei disse tudo. Porque um olho vê, outro sente.